sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Dirigente espírita muito culpado

Você, corajoso dirigente de Casa Espírita, esteve comigo, e conversamos bastante sobre os espinhos que estão machucando sua sensibilidade.
Agradeço a confiança que depositou em mim, por entregar-me os detalhes mais íntimos de sua questão, tão difíceis de serem falados.
Depois, você colocou em sua escrita tudo o que me disse verbalmente, autorizando-me a publicar neste blog um resumo de sua história de vida, que é tão repleta de sofrimentos, conquistas e fracassos, sendo estes últimos recortados com rigorosa atenção, pelo tanto que estes últimos incomodam sua alma resoluta e nobre.
Na primeira aproximação, você me disse que suas atitudes e ações, por vezes, o fazem se sentir muito aquém do ponto que você imagina ser o que a Espiritualidade Maior espera de um trabalhador de Casa Espírita, ainda mais no seu nível de responsabilidade. Você bateu muito na tecla de sua função, por você exercer uma liderança importante, dirigindo as consciências para o bom rumo, no âmbito doutrinário da Casa Espírita em que trabalha semanalmente.
Repito o que disse, pessoalmente: amigo espírita, você está em um perigoso processo de culpa; precisa fazer uma psicoterapia, urgentemente. É nesta brecha que o remorso dá a senha aos inimigos gratuitos, que se aproximam e constituem a obsessão espiritual, cujo resultado será funesto para você e para a Casa Espírita que você coordena.
Compreendo que isso (a culpa), em muitos casos, funciona, às vezes, como válvula de alívio. Num momento de sua fala você ficou tão grato por eu estar ali escutando você, que até tentou me colocar num "lugar alto", onde sei que estou muito longe. Este ponto que você me põe se chama sedução. E você o nomeia de lugar "ideal para o dirigente ou coordenador de Casa Espírita". Digo de antemão que você deve jogar fora este tal referencial muito alto para nós que somos trabalhadores simples da Casa Espírita. É um ponto tão lá no "alto" que talvez seja um mecanismo de defesa ou uma necessidade de auto-superação de um complexo de inferioridade.
Você sabe que não consegue corresponder ao que você exige de si mesmo (ser o melhor na atual existência como espírita atuante), mas em relação aos outros você é tão cheio de rigorismos. Será que você já notou que seu rigor para com os outros está se tornando insuportável? Como você exige muito de você, acha que os outros também aguentam tanto rigorismo. Lembro-me do exemplo de rigor que você me contou, quando por questão de minutos trancou a porta da sala mediúnica, embora o médium batesse pedindo pelo amor de deus que você abrisse. Você precisa ler com carinho o que Kardec escreveu sobre o rigorismo com o horário, no item 333 de O Livro dos Médiuns.
Há dirigentes de Casa Espírita que são muito esforçados e são pessoas honestos que, diariamente, lutam, bravamente, para conseguirem avançar um milímetro na atual reencarnação. Ao olhar o milímetro conquistado pelo iniciante do Movimento Espírita não diga: "não fez mais do que a sua obrigação". Se você é bom no que faz, ensine os outros a fazer, pacientemente. Você também precisa aprender e muito!
Compreendo que você apreendeu alguns aspectos teóricos das informações corretas que foram oferecidas pelas Obras Básicas e pelas excelentes Obras subsidiárias mediúnicas que, graças a Deus, fazem parte do acervo de suas leituras doutrinárias. Não há que duvidar que as obras mediúnicas citadas por você estão todas certas. Com a base kardequiana você tem um roteiro luminoso que pode, indiretamente, iluminar a Humanidade, no fluxo que intermediamos no âmbito do amor. Só temos o que damos! Isto mesmo... infelizmente você compreendeu ao contrário: você entendeu que só damos o que temos. E como sente que não tem... está colocando em questão o que dá? Pense, meu amigo: nós realmente damos algo de nós? Mais uma vez peço ao amigo dirigente espírita que estude e medite, criteriosamente, o belíssimo teor da mensagem de Emmanuel, no cap. 117, do livro Fonte Viva, psicografado por Chico Xavier, FEB (a página tem o seguinte título: "possuímos o que damos").
A Doutrina Espírita é o Consolador Prometido, pois traz ao mundo contemporâneo o Evangelho de Jesus em sua essência. O Movimento Espírita não é a Doutrina Espírita. É o âmbito, o promotor do fluxo, no qual trabalhamos e é através dele que a nossa Casa Espírita abre um campo fecundo para o amor-vivência do Evangelho de Jesus.
Você estava chorando quando me perguntou: "por que eu, sabendo de tudo isso, ainda assim me pego em erros clamorosos que ninguém vê?". Eu perguntei a você se existe este "ninguém" que você citou (veja a questão 459 de O Livro dos Espíritos). "Como a Espiritualidade Maior pode confiar em mim, na tarefa de levar a Doutrina Espírita para tantos que vêm à Casa Espírita?". Perguntei: se os Espíritas fossem já espíritos evoluídos, certamente, não estariam mais na Terra, não? Acrescentei que nós - espíritas atuantes na Casa Espírita - somos os maiores usufrutuários do espiritismo que fluxamos. Foi daeste ponto em diante que eu me calei e ouvi a sua grande necessidade de se lamuriar: "Sinto-me, às vezes, como se estivesse prodigalizando, com muita habilidade, um paradoxo que, ao mesmo tempo, me machuca: sou uma propaganda enganosa?".... "Eu me arvoro a ensinar as pessoas simples que querem ser homens e mulheres do bem e que me procuram porque eles acham que eu tenho excelente qualidade didática para analisar, entender e fazer as pessoas entenderem um texto doutrinário... isto basta?"... "E meu temperamento?"... "como falo de amor e recebo entidades maravilhosas e continuo com este meu caráter irascível?"
Como eu disse, antes, você é muito corajoso por se expor, assim, tão abertamente. Depois que você me contou tudo isso sobre você mesmo, você me disse que ficou mais leve, não foi? Você chegou a me dizer que não pode dizer estas coisas no Movimento Espírita porque nele não há pessoas com disposição e boa vontade suficientes para ouvir e compreender o que você passa todos os dias e todas as noites.
Posso dizer que todo ser espiritual encarnado na Terra, está em provação, no mínimo. Você está experimentando essa fase significativa de sua evolução espiritual, através da qual todos nós, indistintamente, também passamos, quando queremos mudar de patamar e parar de nos enganarmos... Amigo, amigo... você me contou outros episódios que não são publicáveis e você tem razão quando diz que não dá para se abrir de modo público. O privado, o que é intimo, sempre nos pertence. Segredo só é segredo para o dono do segredo. Depois que ele é revelado pelo próprio dono, quem vai ficar com a função de resguardá-lo? Mesmo nas instituições espíritas mais abertas, em termos de participação do público ( quando os participantes podem dar opiniões, conversar sobre as questões doutrinárias e as dificuldades de realizarem-nas em suas vidas etc), não há que se revelar segredos pessoais, mesmo porque não fazemos confessionários e nem somos juízes de consciências alheias. Jesus disse: aquele que quiser me seguir, pegue sua cruz e me siga!
Você, companheiro de jornada doutrinária, pergunte-se se está pegando a sua cruz e está seguindo o Cristo! Eu e tantos outros espíritas atuantes no Movimento Espírita também estamos nesta mesma jornada evolutiva. Não acredito que você vai largar a sua cruz ou ficar só olhando para a altura da cruz dos missionários bem sucedidos... Se há no mundo quem goste de se enganar neste aspecto, deixemos esse para lá... que cada um siga o seu caminho, com vontade férrea de se modificar para o bem, e, entre os ensaios e os erros, que possa levar a sua cruz para o caminho que o Cristo determinar. Pelo que soube, no Evangelho de Jesus, este caminho para o qual o Cristo nos chama, tem porta estreita. Só mesmo pela humildade e pela fé constituiremos uma senha para ultrapassá-la à contento.
Quando Santo Agostinho (questão 919 de O Livro dos Espíritos) trouxe à baila uma confissão, ele pactuou com ele mesmo (como se fosse uma auditoria de ordem mental) um método: depois associou essa auto-reflexão (sobre o erro anunciado claramente a si mesmo) com a uma ação imediata e que fosse feita no dia seguinte. Este era o propósito dele e foi bom receber dele este conselho salutar, pois serviu e serve para muitos de nós como roteiro de crescimento moral no mundo. Mas, amigo, veja bem: ninguém até hoje sabe ao certo se Santo Agostinho conseguia sempre cumprir tudo o que auditava no dia anterior. Ele fez um propósito, um método ( meta+dos = caminho adiante) e, perseguindo-o tenazmente, chegou à plenitude consciencial. Ninguém sabe que dias dolorosos ele passou quando sentiu que não dava para fazer o que auditou no dia anterior. O certo é que ele não estacionou na cupa. Ele deve ter feito muito esforço para vencer-se. Na idade média, Francisco de Assis utilizava-se de outro método: jogava-se nos roseirais, sempre que se sentia em pecado.
Este talvez seja o ponto que o amigo precisa refletir melhor: veja cuidadosamente em você mesmo: há uma disfarçada e pretensa intenção de tudo resolver de modo total, retumbante e heroico, de uma hora para a outra?
Onde se inspirou para fazer projetos de plataformas gigantescas que sabemos estar acima de nossas possibilidades de realizá-las? Constantemente, vemos exemplos bíblicos grandiosos, demonstrando que são possíveis para os Avatares: exemplo: Saulo, o hebreu orgulhoso, que transformou-se em Paulo, o apóstolo, numa mesma existência. Infantilmente, nós queremos ser iguais a eles. Este é um desejo egóico, como aquele da mãe dos dois apóstolos: ela pediu a Jesus que intercedesse por eles, para que ficassem, ambos, ao lado de Deus, no Reino dos Céus. O que Jesus respondeu para esta mãe? Que não cabia a ele decidir isto. Depois, ele fez com que aquela mãe pudesse refletir, um pouco, se os citados filhos conseguiriam provar o cálice decorrente da assunção destes altos encargos.
Pense, meu amigo: você acha que está nesta vida para ser um missionário? Olhando o patamar dos outros (Chico Xavier, por exemplo), em termos de evolução, mesmo que você já tenha conquistado alguma coisa para si, não é bom ficar olhando com inveja para cima e chorando lamentosamente o muito que ainda lhe falta em termos de evolução...
Amigo, vimos que olhar para cima, como quem quer, de um dia para outro, estar lá é, de fato, muito perigoso. Como disse, a questão é egoica, porque traz viés de inveja e que, ao invés disso ajudar, faz o espírita se achar melhor do que é, de fato.Você, como eu, e quase toda a comunidade de companheiros e companheiras do Movimento Espírita, precisamos mais do Espiritismo do que ele precisa da gente. Devemos, no entanto, colaborar, ajudar na sua divulgação, trabalhar no Movimento Espírita. Tudo isto, precisa existir como um exercício do bem de que necessitamos, para que o fluxo do bem desinteressado possa nos ajudar a "lavar" ou "fluxar" grande parte de nossas imperfeições, com as quais nos impregnamos, desde muitas reencarnações anteriores, quando nos locupletávamos na ignorância das questões espirituais. Hoje você questiona as más tendências que ainda brotam em seu ser espiritual... antes você as desejava ardentemente e não vivia sem elas.
Na terceira parte de sua narrativa - como eu disse -, você foi um pouco mais dramático naquilo que você chamou de seus "delitos morais". Pareceu-me que, assim falando sobre si mesmo, você já está se punindo, chicoteando-se impiedosamente. Não sei qual foi a sua formação religiosa de berço, mas me pareceu um católico apanhado em pecado, pagando penitências medievais, utilizando-se de "chicote" com aquelas pontas de ferro que sangram. Assim, mas sem se corrigir-se convenientemente, você faz uma armadilha para si mesmo: erra e se pune... vigia-se, erra e se pune... e isso ocorreu numa interminável sequência de açoites que trouxeram muito sofrimento à sua já tão vergastada existência corpórea. Quero lembrá-lo agora de alguns detalhes que julgo oportunos refletir:
1) o sofrimento pelo sofrimento não é uma tese espírita para o desenvolvimento evolutivo do ser espiritual.
2) os ímpetos punitivos contra si mesmo, estragam-lhe a vida biológica e atrapalham o que, de fato, você precisa fazer para melhorar-se como cidadão no mundo. Pode ser um suicídio indireto e disfarçado conscientemente de correção.
3) Seu movimento não se constitui uma reflexão saudável: é uma exteriorização do seu orgulho e da sua vaidade. Você se antecipa à crítica de terceiros e segundos. Assim, de um modo tão medieval, faz da auto-punição tudo funcionar como se você dissesse a todos: "estão vendo? Eu sei o quanto estou errando e já estou me corrigindo...
4) Você pensa assim: sou sensível e tenho vergonha do achincalhe público, da deflagração de minha imagem moral, junto aos que me vêem como orientador de Casa espírita... portanto não preciso que me digam que estou errado...sei sobejamente o que é o erro em que estou incurso com minhas atitudes horríveis"... Eis aí os pecados mortais expostos e as punições católicas decretadas pela Inquisição, na versão espírita.
Amigo, durante todo o tempo que você esteve comigo, e mesmo através de sua escrita, não percebi em você qualquer fala ou escrita que pudesse desvelar-lhe uma nova ação mobilizadora, sincera, que fosse algo possível de ser feito mesmo que em pequena dose, para modificar-lhe o modo de ser impróprio. Veja se não é assim: você quer uma "transformaçãozona", total e imediata; daquelas que, em nosso nível, não há qualquer vestígio de possibilidade de acontecer.
Ao final, você me pediu algo que pudesse ajudá-lo na hora do testemunho. Que tal calar-se um pouco? Que tal sossegar a mente um pouco e parar de anunciar a maldição e o erro? Que tal focar seu pensamento no fluxo do bem, com leitura de qualidade ou prece? É como buscar a ressonância do que é saudável para não cair, de novo, na repetição mental ruim. Prove a você mesmo que não quer se enganar e que não quer, muito menos, enganar a quem quer que seja. Admita para você que também possui "más inclinações", mas que você não se resume a isto: você é um ser de possibilidades!
Essas nossas deficiências morais precisam ser educadas, conforme Evangelho S. Espiritismo, cap. XVII, item 4. Neste trecho, Kardec diz que você - eu, você e todos os outros espíritas - podemos ser os verdadeiros espíritas.
Foram os resultados desastrosos de nossas más inclinações que nos aproximaram do espiritismo. Com a promessa de realizarmos o fluxo dessa Verdade por onde passássemos, a Espiritualidade promoveu essa nossa atual reencarnação-educativa-do-ser e indicou-nos o trabalho espírita como campo fecundo, exercício para que fizéssemos todo o esforço para nos educarmos convenientemente.
Lembra-se, meu amigo, que você me disse que já achou que era um espírito missionário que veio ao mundo para ensinar as pessoas a vencerem suas imperfeições?! Viu a pretensão, meu amigo?!
O método pedagógico utilizado por Kardec é o de Pestalozzi: o "savoir-faire" (aprender-fazendo). O que fazemos, enquanto aprendizes do bem, aprendemos graças ao fluxo contínuo da Misericórdia Divina. Tudo o que fazemos é pouco e o que é oriundo dos pensamentos superiores - e que nos inspira a todos nós - constitui-se numa bênção que devemos agradecer e aproveitar no bem. Enquanto fazemos acontecer, por exemplo, a evangelização das crianças ou o esclarecemos dos espíritos sofredores, ou fazemos a palestra doutrinária na Reunião Pública, ou auxiliamos nos atendimentos fraternos, ou realizamos um sistemático estudo doutrinário em grupo, mais aprendemos. Amigo, quando você faz uma prece sincera ou aplica um passe espírita, está, ao mesmo tempo, fluxando o amor divino...
E então, o que acha? ... Quem sabe? Com o tempo, no exercício da simplicidade e com menos alarde, quem sabe... tudo poderá ficar bem mais sereno, não?!...
Temos muitos débitos do passado, não é, meu amigo?! Há quilômetro de imperfeições a serem vencidas. No milímetro da caridade desinteressada e consciente, poderemos ressarcir os quilômetros de débitos do passado. Quilômetro é formado de milímetros: um atrás do outro... não há como ser diferente.
Que Deus abençoe a você, amigo dirigente. E que nos abençoe a todos, na tarefa de direção das Instituições Espíritas.
Julio Cesar de Sá Roriz
jcesaroriz@gmail.com
Centro Espírita Tarefeiros do Bem
Rua Mena Barreto 110, Botafogo, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
www.tarefeirosdobem.org.br

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