terça-feira, 1 de setembro de 2015
Venho a você porque um Espírito mandou...
Você me informou em seu email que um Espírito enviou para você uma certa psicografia que veio através de um médium que é trabalhador assíduo da Casa Espírita, onde você está procurando servir, enquanto espírita, conforme suas próprias palavras. Nesta missiva do além há uma orientação para o seu caso, certamente após consulta realizada por você à Espiritualidade: procure um "psicoterapeuta espírita". Além dessa diretiva, a Entidade desencarnada indicou o meu nome. Então, você me telefonou e marcou uma consulta para um encontro psicoterápico que acabou não ocorrendo. Apesar de minhas explicações, parece que você não ficou conformada pelo fato de não ter podido se constituir minha cliente, diante de minha negativa ao seu intento.
Você me escreveu e aqui estou eu tentando repetir o que já disse a você naquele primeiro e único encontro não-terapêutico: quando você me disse que, ainda ali, não estava nem um pouco interessada em fazer psicoterapia e que só estava me procurando porque a Entidade desencarnada, de sua estima, a intimou. Com esta afirmativa, você selou qualquer possibilidade de acontecer a psicoterapia, pois não se pode realizar um trabalho profissional, no âmbito da psicologia clínica, sem que o cliente (que os médicos chamam de paciente) queira. Isto significa dizer que você recebeu uma "ordem", ou pelo menos entendeu deste modo, e a cumpriu sem refletir, nem um pouco, o que realmente queria. Como um soldado, cumpriu o que o "superior" determinou, mas sem estar envolvida na proposta de se autoconhecer, de abrir os horizontes das possibilidades e de desvelar todos os obstáculos à sua liberdade. Será sempre importante que o cliente chegue com uma questão, mesmo que ela não seja a fundamental questão, ou seja tão-só a que o incomoda no momento. Sem questão não há psicoterapia.
Você argumentou em sua educada missiva que talvez o seu problema seja exatamente este: não pensar, não elaborar o que dizem para você, colocando-se imediatamente como cumpridora da "ordem" expedida por uma autoridade, como ocorria entre seu pai e sua mãe. Você tem razão e, certamente, isto seria um tema interessante para ser trabalhado no set terapêutico. Peço, no entanto, que a missivista dê um passo atrás e, talvez pela primeira vez, reflita no que está querendo me dizer. Há sofrimento? Qual é? Você racionalizou. Continua, como me disse antes, fechada à psicoterapia. O que está em jogo no seu argumento - que você repete aqui, do mesmo modo, exatamente, como me falou durante todo o tempo da primeiro único encontro não-psicoterapica: ser uma "cumpridora de ordens superiores". Sem discussão ou questionamento, continua executando fielmente o que o Espírito determinou para você fazer, conforme psicografia que veio a você através de um médium da Casa Espírita que tanto gosta. Como você sabe, no primeiro encontro tentei saber de você o que você quer. Você manteve, até o fim, o firme propósito de não participar da psicoterapia e que só estava ali por injunção da Entidade desencarnada que você tanto respeita.
Você me perguntou com sinceridade e, de certo modo, com uma singular singeleza, se eu deixaria de cumprir o que meu orientador espiritual determinasse para mim. Respondi para você - e aqui repito - que há aí um detalhe significante a ser examinado que pode colocar em questão o próprio empreendimento mediúnico realizado pela Casa Espírita onde você tem participado com tanta fé. E isto leva o assunto do âmbito da psicoterapia clínica para o conhecimento do espiritismo.
Allan Kardec escreveu em O Livro dos Médiuns as orientações fundamentais para o bom funcionamento das atividades mediúnicas de uma instituição espírita. A Instituição Espírita que desejar ter o qualificativo espírita deverá orientar-se pelas Obras Básicas codificadas por Allan Kardec. Kardec afirma na Revista Espírita (dezembro 1868, item IV) o seguinte:
"É preciso não perder de vista que a missão dos Espíritos é de nos instruir, de nos melhorar, mas não de se substituir à iniciativa de nosso livre arbítrio; eles nos sugerem pensamentos, nos ajudam com seus conselhos, sobretudo no que toca às questões morais, mas deixam ao nosso julgamento o cuidado da execução das coisas materiais, que eles não têm por missão nos poupar. Eles têm, em seu mundo, atribuições que não são as deste mundo; pedir-lhes o que está fora dessas atribuições, é expor-se às mentiras dos Espíritos levianos. Que os homens se contentem em serem assistidos e protegidos por bons Espíritos, mas que não descarreguem sobre eles a responsabilidade que incumbe ao papel de encarnado".
Assim sendo, peço que a missivista reflita sobre isto que o Codificador escreveu e, antes de considerar que eu a desprezei, ou não cumpri com as determinações do Espírito comunicante, pense pela primeira vez - antes de cumprir " fielmente" às determinações de quem quer que seja. Se o Espírito solicitar que você pule da janela, você vai acatar esta absurda ordem por se tratar de um Espírito comunicando-se através de um médium? Se ele intimar você a tomar cachaça, você vai fazê-lo? Mesmo que a psicografia seja de boa qualidade, nunca a compreenda como algo obrigatório, ordem a ser cumprida sem pensar.
Peço a você, missivista, que reflita um pouco sobre a seriedade deste Centro que se diz Espírita e/ou desse médium psicógrafo que se coloca como agente de consulta. Coloque em questão o que a Entidade escreve. Não se coloque como marionete. Não procure quem quer que seja porque, simplesmente, o Espírito mandou.
Pense também qual o papel que você tem a cumprir na sociedade dos Espíritos encarnados, na contemporaneidade. A missão dos Espíritos desencarnados (bons e superiores) é nos instruir, melhorar-nos e não substituir-nos das decisões que nos cabem tomar. Cabe a você se responsabilizar pela sua própria existência e tomar as iniciativas, no uso do seu livre-arbíbrio. Entre estas iniciativas está a decisão pessoal e intransferível de fazer uma psicoterapia clínica, comigo ou com quem quer que seja.
Julio Cesar de Sá Roriz
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