quinta-feira, 26 de julho de 2012

Somos estrangeiros.


Chegamos num país de língua e costumes estranhos ao nosso para passar um bom tempo. Demoramo-nos e nos acostumamos tanto na Terra que sentimo-nos 'em casa'. Mas chega um momento em que é imperioso voltar: sair do planeta, voltar ao Plano Espiritual para re-encontrar suas origens espirituais, re-encontrar a parentela espiritual, parentes desencarnados que, anteriormente, tiveram também que retornar compulsoriamente ao país de origem. O que podemos levar conosco nesta viagem? Não podermos levar tudo: temos que deixar no 'país estrangeiro da terra' as pessoas com as quais nos afeiçoamos, as edificações e objetos que adquirimos enquanto na Terra estivemos. É a hora da despedida! Uma despedida de uma 'terra estrangeira'com limitação de bagagem, o que nos obriga a selecionar previamente o que nos convém levar ao Plano Espiritual.
Esta é a metáfora que tenta introduzir o leitor no que há de mais delicado em nossa existência na terra: a insubstituível experiência de passagem pela morte biológica. Chegando ao Plano espiritual como sobreviventes da morte do corpo, através do portal da imortalidade, defrontar-nos-émos com surpresas, modos absolutamente diferente do que existe na Terra. Visto assim, cabem as questões: o que não nos serve por lá? Qual a mudança significativa que um Espírito recém-desencarnado sofre ao se defrontar com a sua imortalidade e com a impermanência da matéria (inclusive a do seu corpo biológico)?
Sabemos que o Espírito desencarnado, via de regra, vai para o Plano Espiritual experimentar o necessário estágio probatório para o retorno à próxima reencarnação na Terra. Sabemos também que o Espírito, ao desencarnar, sempre leva alguma 'coisa' consigo. Dizemos 'coisa' porque não temos terminologia apropriada para definir a matéria quintessenciada. Não há registro na vasta bibliografia espírita de um "Espírito em essência",ou seja, sem o seu perispírito, que tenha desencarnado sem qualquer vestígio ou impregnação de âmbito material. O perispírito é esta 'coisa' semi-material, uma espécie de matéria em dimensão vibratória que não é perceptível aos nossos sentidos e não a apreendemos a não ser que sejamos médiuns ostensivos. Então,a pergunta cabe: o que levamos conosco quando desembarcamos no Espaço Espiritual, depois da desencarnação? Primeiramente - antes de respondermos esta questão - vamos colocar as coisas em ordem: desencarnação é um fenômeno natural e fatal que ninguém na Terra pode deixar de experimentar. Quando há a liberação definitiva do Espírito, ele deixa o corpo biológico porque este já não tem mais condições de funcionar e, assim, o Espirito (e o seu perispírito) retira-se da comunidade terrena, carregando na mente e, consequentemente no perispírito, o que lhe deu condições de ter uma identidade, uma forma e sua pertinência tangível no meio social da Terra.
Alguns Espíritos recém-desencarnados estão tão identificados com a existência terrena, com o corpo biológico que lhes serviu e com as paixões humanas experimentadas que, após a desencarnação, permanecem um tempo na face da Terra, em meio aos encarnados como se fossem um deles. Quantos casos de pessoas que relatam uma sensação esquisita que sentiram ao ir morar num apartamento ou casa: eles sentem que há Espíritos desencarnados morando lá. Quantos móveis e objetos de antiquários estão impregnados de vibrações deletérias fixadas nos objetos pelos seus antigos proprietários e quantas relíquias de colecionadores estão sendo 'vigiadas' por Entidades desencarnadas que ainda se consideram donas dos objetos? Em meu livro "Oh, James! Na Poeira do Tempo" descrevi esta situação, pois a citada influenciação espiritual é mais comum do que se possa imaginar, principalmente nos antiquários.
Por outro lado, para os Espíritos que desembarcam no Plano espiritual, existe por lá uma espécie de controle que Eça de Queiroz denominou de 'aduana celeste', que é muito rigorosa e que fiscaliza todas as bagagens do 'viajante' que são compulsoriamente expulso da Terra através da morte biológica. Ele vem do 'estrangeiro' ( ver Eça de Queiroz, Póstumo psicografia de Fernando de Lacerda, FEB), de volta ao seu país de origem - que é o Plano Espiritual. O Espírito recém-liberto do corpo biológico só leva consigo aquilo que pode ser levado (o que não pode, fica na Terra, como por exemplo: o título, o poder, o dinheiro, o status e a identidade social). Então, diante disso, surge outra pergunta que acaba por modificar a primeira: o que deve ser levado ao Plano Espiritual? Para chegarmos a uma conclusão plausível quanto ao que devemos levar para o Plano Espiritual, precisaremos refletir, primeiramente, porque precisamos nos deslocar de nosso país de origem e viajarmos para a Terra, na condição de 'estrangeiros'. Será só para existencializarmos uma vida social? Por que o Espírito imortal precisa utilizar-se de um corpo de carne (ver questão 132 de O Livro dos Espíritos de Allan Kardec) e viver entre outros 'estrangeiros' da Terra que, como ele, terão que retornar, um dia, através da morte biológica do corpo, rumo ao país de origem?
Sem querer ser tautológico, questiono de novo: se estamos aqui na Terra envolvidos com tantos 'estrangeiros', como nós mesmos somos, teremos que inicialmente nos referenciar, em nossos argumentos, utilizando-nos de coisas da Terra.
Respondam olhando as coisas de nossa sociedade: alguém viaja ao estrangeiro para passar um tempo e leva consigo toda a sua mobília? Leva os animais de estimação,toda a casa e os seus vizinhos, as roupas, o carro de passeio e a mesa de trabalho profissional? Claro que, tendo de estar lá no estrangeiro por um tempo que não sabe quanto, muita coisa teve que ficar na terra de origem, inclusive os registros legais de sua identidade civil, os registros de propriedade, as certidões etc. Deixa os parentes, as mil e uma coisas mal resolvidas, os amigos e também os inimigos. Cada um que se retira para o estrangeiro deixa na terra de origem tudo o que teve que ficar. Em plena viagem, pode sentir saudade: então, escreve, telefona, manda-se um email...
Se isto vale para quem vem reencarnar na Terra, como um estrangeiro, o Espírito que está recém-desencarnado também passa por critérios de escolha de mudança. Chegando ao Plano Espiritual, pode se comunicar, às vezes, pelo pensamento ou pela intuição dos encarnados, ou através de um médium que funciona como 'Correio do Além'. E, assim, o desencarnante vai desembaraçado de tudo aquilo que for possível de obstar a sua evolução no Plano Espiritual.
Na Terra, quando um 'estrangeiro' vai para um pais mais bem desenvolvido, geralmente busca lá a oportunidade de um melhor aprimoramento: um doutorado, uma experiência profissional mais vantajosa etc. Para isso, ele precisará se concentrar, deixando em seu país de origem tudo muito bem arrumado para que nada possa perturbar o seu foco no 'novo país'. Se muitas coisas desagradáveis forem chegando (notícias alarmantes e rogativas pesadas)aos ouvidos do viajante que está no estrangeiro, uma perturbação pode nele se instalar, atrapalhando sua experiência nova no estrangeiro.
Há Encarnados (espíritos 'estrangeiros' que investidos no corpo de carne vivem provisoriamente na Terra para evoluir) que ficam psiquicamente atormentados com os rumores obsessivos dos Espíritos desencarnados sofredores que, embora estejam desencarnados, continuam fixados nas coisas da Terra. Outros Espíritos sofredores desencarnados há que permanecem um tempo no além profundamente vinculados às ilusões de materialidade da Terra: suas 'bagagens psíquicas estão avariadas', recheadas de remorsos, iras, desejos de vingança etc. E porque sofrem pelas vinculações excessivas com os bens materiais deixados na Terra, permanecem profundamente identificados com as pessoas que deixaram na Terra. Estes não souberam optar, com equilíbrio, quanto ao que deve ser levado consigo após a desencarnação do corpo biológico. Em vida, não se exercitaram no gradual e necessário desvinculamento psíquico do papel social, político e familiar que exerceram na Terra.Então, aproveitando-se da invisibilidade, intentam continuar a manter o mesmo poder de controle das coisas e das pessoas, como exerciam na Terra: assim acabam 'manipulando' psiquicamente as ilusões dos incautos encarnados, como faziam quando estavam na Terra (ver as Obsessões e meios de combatê-las, no capítulo 23 de O Livro dos Médiuns de Allsan Kardec).
O certo é que, todos nós, embarcamos no Além, pela morte, com tudo o que nos é de fundo psíquico; desembarcamos na Terra, pelo nascimento, sem qualquer resquício de materialidade (a não ser o perispírito). Claro está que isto já nos diz que deveremos ter mais cuidado com o que adquirimos para nós e para outrem na experiência social e familiar na Terra. Importante cogitar quanto ao modo como lidamos com a materialidade, com o poder de controle das coisas e das pessoas, cujos mecanismos, uma vez adquiridos e cronificados como sendo nossos, amanhã, na desencarnação, ser-nos-ão muito mais difíceis de serem erradicados.
Se todos nós - sem distinção - vamos ter que nos despedir do pais que chamamos de Terra ( e deixarmos tudo: o corpo, as coisas e as pessoas, além dos poderes de controle que nos foram outorgados), e teremos que retomar nossa condição de cidadãos espirituais, precisamos desde já, na Terra, nos habilitarmos na arte de vivermos no mundo sem sermos do mundo.
Não estamos dizendo com isto que é para se desprezar os amigos, jogar dinheiro fora e não cuidar do corpo. Tudo isto, incluindo o poder provisório oferecido pelo mundo, tornam-se necessários ao nosso aprimoramento espiritual. O que estamos dizendo é que precisamos experienciar a relação com as coisas e com as pessoas, com o poder de controle e com a autoridade, mas que seja ao modo desidentificado. Vejamos o exemplo do general que desencarnou: nenhum general da Terra é general no Plano Espiritual. Estes galardões e mais outros distinguidos nas honrarias terrenas são outorgas meramente humanas. Os militares, os juízes, os poderosos e todos aqueles que estão, de alguma maneira, identificados com aquilo que dizem que ele 'é', devem começar a relativizar estes emblemas e esteriótipos, enquanto aqui as estiverem utilizando. O artista famoso, o consagrado jogador de futebol, não são assim considerados no Plano espiritual. Enquanto estiverem encarnados devem exercer uma separação entre o que é e o que não é seu, de fato. Não deve dizer para si mesmo, olhando-se no espelho: eu 'sou' isto ou aquilo! Porque só somos aquilo que não pode ser tirado de nós. A morte do corpo biológica costuma pregar surpresas aos Espíritos desencarnados, iludidos que 'são' realmente aquilo que parece que são. Só para lembrar: A Espírito Andre Luiz ( Livro: Nosso Lar, FEB) achpu que por ter sido médico na Terra poderia exercer sua medicina no Plano Espiritual.
Na experiência dialética da reencarnação, busca-se na existência terrestre a convivência com uma grande maioria de espíritos encarnados que são basicamente, ignorantes da vida após a morte, egoístas e orgulhosos, para que o próprio egoismo e o orgulho possam ser ultrapassados. Assim, na convivência educativa do lar, da escola e da religião, vão surgindo as oportunidades de nascerem a humildade e o altruísmo desinteressados. Só mesmo na lida com a materialidade, num 'pais' de provas e expiações, na condição de estrangeiro é que os espíritos endurecidos podem experimentar a forja e o cadinho das provas que os podem libertar da ganga, pois a extração da 'pedra preciosa' só se faz no fogo da experiência social na Terra. Surge, assim o homem de bem.E são os exemplos do homem de bem (questão 918 de O Livro dos Espíritos de Allan Kardec) que podem balizar na Terra, o traçado que a Espiritualidade Maior indica nas Obras Básicas do Espiritismo, guia infalível da Regeneração.
Assim, uma boa desencarnação se dá, sem embargos na 'aduana celeste'. O Espírito 'estrangeiro' que viveu na Terra ao modo desapegado e que soube agregar valores positivos em sua bagagem espiritual, leva consigo uma bagagem legítima. São pessoas que possuem um caráter ético e que se tornam bússolas-vivas, indicando-nos, na Terra, qual o o "norte magnético" da Evolução. Ser homem de bem e seguir boas orientações espirituais de pessoas inteligentes e espiritualizadas já eliminam grande parte dos embaraços de 'alfândega' quando se vai retornar ao país de origem, deixando, portanto, de ser um 'estrangeiro' no mundo.
Isto tudo quer dizer que, cada um de nós, - espíritos encarnados que somos - precisamos nos preparar, condignamente, para enfrentarmos esta viagem desencarnatória. Buscarmos, desde já, re-conhecer pelo estudo doutrinário do espiritismo, como é o país de origem. No fundo, estaremos re-lembrando de incontáveis experiências sempre que estivermos lendo e estudandoas obras mediúnicas dos bons médiuns como José Raul Teixeira, Divaldo Franco ou Chico Xavier. Em suma: devemos manter-nos bem atento o exercício sereno e progressivo do desembaraço das coisas materiais. Verificarmos com critério: há questões legais pendentes que podem afetar a harmonia dos herdeiros (os 'estrangeiros' que ficarão ainda por mais um tempo na Terra? Precisamos procurar reconciliar com algum adversário, enquanto estamos encarnado? Além disso, exercitar-se, sinceramente, no bem ao próximo, procurando, ao mesmo tempo, agregar conhecimentos úteis e sentimentos nobres, tais como a caridade como a entendia Jesus (Questão 886 de O Livro dos Espíritos de Allan Kardec). Entre todas estas questões relevantes, destaco a que é título deste artigo: apropriar-mo-nos da realidade viva de que nós somos, de fato, Espíritos estrangeiros na Terra, porque somos Espíritos Imortais, reencarnados num corpo biológico, experimentando a vida em uma sociedade que ainda se comporta, em sua grande maioria, como se fosse formada de seres meramente bioquímicos, agregando muito valor ao status e ao dinheiro, ao poder e ao controle de tudo.
Isto fica muito patente quando nós assinamos um contrato legal de compra de um apartamento. Não somos, de fato, 'proprietários' do mesmo. Ledo engano achar que somos mesmo proprietários daquele objeto, do imóvel etc! Na verdade, os espíritos reencarnados na Terra nada mais são do que usufrutuários das coisas materiais que experimentam como sendo seus. O que vimos aqui é que: um dia, fatalmente, os 'estrangeiros da Terra vão ser obrigados a 'viajar' e deixarão tudo por aqui mesmo: tudo isto que afinal não é seu, de fato!.

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