sexta-feira, 18 de março de 2016

Bondade Perversa

Estava realizando uma palestra espírita numa cidade do Rio de Janeiro que tem um agradável balneário.
Depois do encontro na Casa espírita, caminhei sozinho pela orla da linda cidade, onde várias pessoas possuem as chamadas "casas de praia".
Sendo um fim de semana de muito calor, havia uma boa movimentação de pessoas de bermudas, sandálias e roupas de banho de mar.
A brisa estava muito agradável. Eu me aproximei de uma barraca que vendia coco e solicitei um para mim. Estava me deliciando, quando ouvi alguém chamar meu nome. Virei-me e confesso que não reconheci aquele homem que tentava sorrir para mim. Ele mostrava uma expressão gentil, emoldurando seu sorriso na face muito pálida e os poucos cabelos grisalhos. Ele dava sinais inequívocos da depressão, de estar alí com muito cansaço.
Percebi que ele ficou feliz em me ver. Eu correspondi,como sempre ocorre em situações como esta, mas estava mesmo sem saber de quem se tratava.
Ele, muito manso, virou para uma senhora que estava ao seu lado e apresentou-me, com gentis palavras. Isto levou-me a compreender que se tratava de um antigo médium, espírita atuante em alguma das Casas Espíritas que eu tenha realizado palestra.
Cumprimentei-a e disse aquelas palavras gentis que nós sempre dizemos quando nos encontramos, pela primeira vez, com uma pessoa. Ela, talvez por alguma razão que não pude apreender na hora, demonstrou claramente um caráter autoritário. Com um inexplicável mal humor, disse para o senhor, sem olhar para mim:
-Claro que eu sei quem é ele!Como não saber? É o Julio Cesar Roriz... o orador espírita.(disse isso com uma ponta de ironia e deboche).
O senhor adoecido,talvez querendo passar um pouco de suavidade àquela maneira pouco cortês como ela me cumprimentou, retrucou, sorrindo um sorriso sem graça:
- Fulana, ele é o amigo Julio Cesar, que eu falo tanto para você!
- Sim, eu sei! - retrucou ela mais sisuda -... claro que eu conheço esta cara! Quantos videos de palestras dele que você quis me mostrar!
E olhando para mim, disse secamente:
-Você me desculpe a franqueza, mas eu sou direta e muito honesta! Ralei muito para tirá-lo daquela Casa... ( citou o nome da Instituição Espírita) e, francamente, eu espero que sua presença aqui não venha incentivá-lo, de novo, a se arrastar para aquelas consecutivas e prejudiciais reuniões espíritas. Cá para nós, aquilo é coisa do diabo!
Só mesmo Deus, além de mim, pode saber como eu fiquei diante de tamanho ataque verbal, de tão baixa vibração.
Não perdi o equilíbrio. Olhei nos olhos daquele senhor que, certamente, me conhecia de outras experiências mais agradáveis no âmbito do Espiritismo com Jesus e, estarrecido, percebi a sua quase-total submissão.
Talvez porque a mulher foi à barraquinha pagar uma prenda que comprara, ele colocou sua mão em concha e, como um escravo que denuncia seu infortúnio, rogou-me suplicante:
-"Ajude-me, por favor!"
Ainda sob o impacto do missel verbal enviado pela senhora mal humorada e ainda sem entender bem o que estava acontecendo, perguntei ao senhor, enquanto ela não chegava próxima:
-Você me pareceu ter se sentido muito feliz quando me viu e, pelo que esta senhora está dizendo, deve ter ocorrido, com você, algum problema muito sério, que eu não tenho ideia do que se trata...
Permaneci em silêncio, olhando firmemente para ela,vigiando sua volta, ao mesmo tempo em que aguardava alguma pista, uma palavra, algo que pudesse clarear melhor a minha mente quanto àquele inusitado pedido de socorro.
O senhor, sempre muito gentil e bastante enfraquecido,aproveitou que a senhora demorou um pouco para voltar, disse-me muito baixinho:
-Eu agora sou um refém dela... estou muito doente... ela já me internou um vez e lá os médicos me encheram de remédios psiquiátricos. Eu sou médium, trabalhei na Instituição Espírita tal... você se lembra? A Treva, um dia, conseguiu me pegar em casa e foi no transcorrer do assédio que ela aproveitou para trancar a porta e guardar a chave com ela. Depois, chegaram os grandalhões com camisa de força e daí em diante foi um inferno... Temos esta casa de praia e não tive outra alternativa senão vir morar aqui. Eu tive que prometer não ir mais à Casa Espírita, para me livrar das ameaças de internações. Toda vez que os obsessores desencarnados me abordavam eu me entupia dos remédios, ficava lesado e aguentava os assédios. Quando eu estava trabalhando na Casa Espírita eu era mais feliz e equilibrado! Ah, eu me sentia mais disposto e protegido, trabalhava na mesa mediúnica e auxiliava nos serviços assistenciais da Instituição. Ah, que saudade! Eu adorava aquilo tudo! Como me faz falta!
Enquanto eu pensava comigo mesmo onde estavam e o que fizeram por ele os antigos companheiros espíritas da Casa onde serviu com tanto empenho, ví que ele se emocionou, e, imediatamente, enxugou rapidamente as poucas lagrimas, pois a mulher já estava voltando.
Ela disse para ele, de modo autoritário:
-Emocionando-se por que? Eu cuido de você para não entrar mais nestas crise. Então, pare de besteira! Vamos embora!... afinal de contas, você não tem mais nada a ver com aquela praga do espiritismo!  Ela o arrastou pela mão, ele ainda olhou para trás e trocou, comigo, um inesquecível olhar de despedida.
Nunca mais o vi, mas aquela cena jamais saiu de minha tela mental.
Poderia chamá-la de obsessão de encarnado para encarnado, bondade perversa...
A atitude dessa senhora pode ser classificadas como "bondade perversa" porque trata-se de uma pessoa com atitudes psicopatológica, do tipo que maltrata o outro, dizendo friamente que o faz pelo bem da vítima. A atitude dele, em contra partida, pode ser classificada como "covardia moral", ou seja, quando a pessoa, diante de uma ameaça muito grande, apequena-se, reduz-se à "criança interna" que, afogada no seu grande medo, teme contrariar a autoridade daquele que o destrói psicologicamente, sob um disfarce da proteção.
Quadros assim, tão repletos de preconceito e cheios de desequilíbrios psicológicos, para chegarem a este ponto, tiveram um começo,um desmazelo. Há nestes casos tristes, uma história de submissão e de obsessão espiritual de encarnado para encarnado. Qual será que foi o "ganho secundário" que impulsionou neste homem uma perda deste tamanho? E dramas semelhantes a esse acontecem todos os dias e podemos chamá-los de infortúnios ocultos:
Pais que surram filhos e dizem que fazem isto para educá-los.
Professores que massacram covardemente os alunos, estabelecendo clima de terror e perseguição acadêmica.
Irmãos mais velhos que submetem os mais novos a maus tratos e outras sevícias, ante o alheamento total dos pais.
Patrões que submetem os empregados a trabalhos muito acima de sua capacidade física ou intelectual de realização
Governos totalitários que estabelecem onipresença tirânica na vida dos habitantes das cidades sob guerras intermináveis, onde imigrantes submetem a todo tipo de vicissitude sob constantes ameaças de ações políticas e policiais que fazem o horror do clima de guerra sem quartel que vemos nos tele-jornais todos os dias...
As pessoas passam por essas experiências provacionais e quase sempre se enfraquecem mentalmente, com o desenvolvimento de fobias sociais, peloo receio do bullying etc.
Por que passam por isso?
Podem ser provas contingenciais propiciadas pela falta de cuidado da vítima e pela volúpia do agressor; pode ser também em decorrência de arrastos magnéticos, como os que ocorrem nas expiações coletivas e provas individuais, cujas raízes estão no passado delituoso, ora em resgate. Se, ainda por cima, possuem adversários desencarnados, tornam-se presas fáceis, pela ausência de defesas psíquicas que os protejam das investidas dos inimigos do passado.
O que podemos fazer?
A experiência demonstra que não se deve deixar que as coisas ruins se arrastem por anos e anos, agravando os quadros provacionais. Casos como esse que citei são quadros crônicos e, por isso, tornam-se menos fácil de serem tratados pela psicologia clássica e pela terapêutica medicamentosa da psiquiatria.
Obsessão espiritual, depressão e quadros de submissão aos psicopatológicos precisam de ação imediata para que sejam feitas ações protetoras daqueles que sofrem padecimentos morais e psicológico, espirituais e sociais.
Estas modalidades de psicopatologias e de obsessões de encarnados para encarnados chegam em nossas Instituições Espíritas?
Claro que sim! E aparecem nas narrativas dos aflitos e sobrecarregados que batem em nossas portas solicitando ajuda.
Entre estes desafortunados estão os imigrantes, as vítimas da ignorância dos internacionais políticos contemporâneos.
Temos recebido estrangeiros, imigrantes que não falam a língua portuguesa que narram seus dramas, despatriados e desabrigados.
Por isso, nós criamos no Centro Espírita Tarefeiros do Bem (Botafogo, Rio de Janeiro, RJ) um segmento doutrinário de atendimentos fraternos que denominamos de "Triagem Espiritual". Criamos também a atividade de Leitura e Comentário de O Livro dos Espíritos em inglês, francês e espanhol. Lá, várias pessoas são atendidas, principalmente aquelas que se encontram submetidas às obsessões espirituais, portadoras de sequelas sociais e familiares.
O tratamento é realizado em pequenos grupos e é muito simples, pois se trata de uma atividade espírita, com acolhimento que promovendo reflexões em torno de temas de sofrimento e saúde, à luz do espiritismo, passe e água fluidificada.
Após a entrevista inicial, os nomes dos atendidos são encaminhados à reunião mediúnica privativa. Os resultados têm sido satisfatórios e não se faz interferências quaisquer às medicações determinadas aos pacientes pelos seus psiquiatras.
É a nossa contribuição diante dos absurdos que temos observados no comportamento da sociedade, na atualidade.
E que Deus nos abençoe e que envolva a todos os espíritas conscientes quanto às suas possibilidades de ajudar, efetivamente, aqueles que padecem provações, quais a que aquele senhor desvelou aos meus olhos, na tarde daquele dia; aos imigrantes brasileiros e estrangeiros que estão no Brasil, carentes de um apoio espiritual.
E você, espírita amigo, o que está fazendo de sua parte para ajudar a sociedade humana nestes momentos de transição planetária?
Julio Cesar de Sá Roriz
www.tarefeirosdobem.org.br