domingo, 27 de outubro de 2013

Como o Chico Xavier me disse, numa carta inesquecível: Julinho, o poente é lindo!


S. minha amiga, recebi suas notícias referentes à noitada sem graça que lhe pareceu fracassada. Você é uma espírita atuante na Casa Espírita e ambientou-se com preces e silêncios, serviços do bem e caridade. Claro que os "puristas" - aqueles que olham  as coisas em si mesmas -  dirão para você:  não tem nada a ver... como você pôde comparecer a uma festa assim!... da próxima vez, não perca seu tempo!". Não penso assim.
Olhando para o que você me escreveu, vi no seu relato, que você só desejou experimentar o modus faciendi  já conhecido que foi forte em seu passado; mas, desta vez, você percebeu - no ato - que estava ali só de corpo, e não de alma.
Isto tem a ver com o sentido da vida que agora se desvela em sua existência e isto também "fala" algo mais, fenômeno psicológico que, singularmente, está ocorrendo com você, de modo ainda imperceptível. Trata-se da sua experiência do que chamo de "ponto zero". Eu já vivi isto e creio que esta experiência será muito útil ao seu porvir espírita.
S, na escala espiritual da existência, você estava no (- 4),e, a partir da convivência saudável com o espiritismo vivo proporcionado pela Casa Espírita que você frequenta, conseguiu olhar melhor o horizonte das suas próprias possibilidades. Você vislumbrou o que há para cima, olhou lá para lá (+4) e disse para você mesma: "quero isto para mim!". Só que o processo de crescimento espiritual é gradual e obedece a uma escala progressiva. Isto é pessoal e experiencial... e você foi escalando, devagar, ao longo dos anos, e alcançou em si mesma as marcas (-4), (-3), (-2), (-1).... até, finalmente, chegar ao "ponto zero". 
S, invariavelmente, quando a gente chega no "ponto zero", a gente olha para cima e vê que ainda tem mais quatro números que são difíceis de vencer; a gente então torna mais fácil olhar para trás. O que vemos? Quatro números negativos que foram experienciados. A constatação é cruel: a gente olha para trás e vê os estágios vívidos de experiências pelas quais passamos, repletos de ações, de empolgações, de gozos e de tristezas, decepções...
É aí, neste momento, que a gente lembra das pessoas que chamamos de amigos, aquelas dos festejos máximos e das ações estéticas que nos regiam a vida...
Ah, a gente lembra que, sob o signo do (-), não dávamos a mínima chance ao pensamento reflexivo, porque no estágio (-) ninguém quer "perder tempo" em refletir.
Na realidade, os que estão vivenciando no (-), procuram, de modo desesperado e rápido, encher o tempo e os espaços vazios da existência com coisas, com ilusões, com experiências de gozo, com alegrias efêmeras... e assim, em encontros equivocados, entramos nos jogos das emoções fortes e embriagantes do mundo que nos rodeia... e isto chega, mas não satisfaz  e, as vezes, não passa... ficam as culpas!
É isso: invariavelmente, o vazio existencial fica evidente demais. As nossas ocupações cotidianas e as alterações da consciência proporcionadas pelos vícios de beber socialmente, de fumar como todo mundo, ocupam-nos... não deixam entrar em contato com o nosso próprio espaço psíquico. Como fica a reflexão sobre "o que é que estou fazendo no mundo"... é algo que empurra à nós mesmos. Frases que falamos na frente do espelho, do tipo: "o que é que estou fazendo de minha vida" fazem as ocupações do vazio... que, na verdade, não respondem concretamente pela felicidade ou buscada  plenitude.

Com o tempo: noção de tempo e de dinheiro; de corpo e de beleza; de amizades e de lugares onde ir...  tornam-se distantes por serem alienantes... uma espécie de disfarce... verdadeiramente uma fuga psicológica da realidade espiritual do Ser Espiritual que somos.

Não quero dizer que tudo isto que experimentamos nos momentos difíceis, seja algo tão ruim assim como se possa pensar. Não. É preciso entrar em contato com a própria Sombra. Mas não precisa ficar nela o tempo todo. Também não precisa ficar perdida nas questões egoicas ( Persona). Falo aqui de temperança.

Amiga S., escrevo para você, para mim e para todos os que já estão no fastio do mal. Mas,preste atenção:: há uma impermanência nas coisas que nos servem;nós, no entanto, somos Espíritos imortais. Podemos ser arrastados às coisas, às situações de convivências com as pessoas do mundo das Sombras. Nós se correspondermos às expectativas, no fundo, viveremos tão-só a sensação efêmera da materialidade.

Fazemos estas coisas porque queremos ser aceitos e amados pelas pessoas. Achamos que assim  estamos "in" no contexto geral estabelecido pela  mídia. Que estamos sendo totalmente incluídos no âmbito social e, enganamo-nos psicologicamente sentindo-nos "completos"... . Não se iluda: queremos ser incluídos. E por isso dizemos: "tenho amigos!... eu não estou só!... eu sou isso... eu sou aquilo..."  
Este  é o nosso estranho modo existencial de viver a soledade acompanhada. E o vazio existencial reaparece mais forte ainda!

S, a sua experiência foi uma "olhada para trás". Estando no seu  "ponto zero", assemelhou-se àqueles viciados em etanol que relatam o temido momento, nos Alcoólicos Anônimos: "eu passei tantos anos sem beber e, de repente, num happy-hour, abri uma latinha de cerveja, no bar com os amigos...e pronto... voltei para o sarjeta.!".
Você, S, "foi ao happy hour", mas não sentiu o desejo de abrir a "latinha da cerveja" e, segundo sua narrativa, ainda encontrou um segurança equilibrado que disse para você uma excelente metáfora: "ei... você não é do tipo de mulheres que vêm aqui (falou das mulheres tipo -4)... este lugar não é seu". 

S, a sua vontade de permanecer na saúde foi maior do que o seu desejo de consumir-se e de ser consumida, de novo. É que ao vislumbrar o nível (-4) de ser no mundo, você também relembrou as cicatrizes ainda mal curadas adquiridas no seu passado, aquelas lembranças dolorosas dos seus adoecimentos e das suas decepções... 

S, você só pôde ver isto, assim tão clarmente, porque não está mais lá, de fato! Sem este distanciamento de si-mesma, não encararia a frase do segurança como um elogio. Cá para nós, este segurança é um filósofo... recomendo que você leve flores para ele, um dia!

Então, minha amiga S., agora você se sente no "ponto zero" e está à frente do desafio das escaladas desde (+1), passando pelo (+2), (+3) e até o (+4).

Guardadas as devidas prporções, você está vivenciando uma espécie de "Saulo de Tarso", após a experiência de iluminação crística na sua estrada de Damasco... Saulo estava sem a noiva, sem os amigos, sem o poder e sem a glória exaustiva do trabalho (Sinédrio)...
Agora S, você já sabe que precisa olhar para frente. Compreender que há um novo processo diferente da "mecânica febricitante" do seu passado. Você vai precisar  enfrentar o seu porvir existencial e espiritual com outra metodologia, outro modo de ser: "ser-no-mundo, sem ser do mundo". Casar-se, trabalhar de modo equilibrado na Instituição Espírita séria que a albergou acreditando em sua recuperação moral. Daí em diante, não mais tentar buscar nos prazeres efêmeros ou nas ilusões da materialidade "eternizar" as coisas como se elas fossem um fim em si mesmas. Você verá que os sentidos, aqueles que "enchiam" o seu vazio existencial eram verdadeiras mentiras do ego, na sua busca desesperada de  salvaguarda de sua auto-imagem, tão espelhada nos reflexos das fantasias. mundanas 

Agora, amiga S., a sua existência terrestre ganhou um novo significado. Este ofereceu campo às luzes proporcionadas pelo conhecimento Espírita.  Não há mais como 'ocupar' o tempo vazio com coisas e prazeres do mundo, mas saber entrar em contato com estes vazios existenciais, mas de outra maneira, buscando agregar novos valores ao Espírito.
Você sabe que, durante o longo tempo de trocas verbais, nunca demonizei ou condenei as alegrias do mundo. O Evangelho Segundo o Espiritismo (cap XVII, item 10) informa-nos que não precisamos adquirir aspecto lúgubre para sermos homens e mulheres do bem. 

Fiquei feliz com sua missiva. Seja bem-vinda, amiga S., ao rol dos que estão, na existência atual, escalando o (+1),(+2) (+3) e o (+4)... Quando eu era adolescente, dirigente de uma reunião da Juventude Espírita, Chico Xavier me escreveu uma cartinha inesquecível falando-me disso. Ele disse: "você é este menino bom que está subindo a montanha da vida com sacrifícios e esforço próprio; eu - que estou descendo pelo outro lado -, posso dizer a você: o poente é lindo!"

Amiga S., continue sua escalada e não olhe para trás... para não virar "estátua de sal", como ocorreu com a esposa de Ló".

Eu posso também dizer para você: ame, case-se, entregue-se à alegria de viver, pois o poente é lindo!

Vale a pena!
Um abraço  
Julio Cesar de Sá Roriz
PS recomendo ler o livro psicografado por Divaldo  Franco, editado pela FEB, cujo nome é "Impermanência e Imortalidade". É um tratado filosófico e existencial à luz do Espiritismo, não só para mim que sou Espírita atuante no Movimento Espírita, Coordenador geral do Centro Espírita Tarefeiros do Bem,  Mestre em Psicologia Clinica pela UFF/RJ e Psicólogo Clínico: é leitura INDISPENSÁVEL aos que querem compreender a angústia existente nas pessoas da contemporaneidade. O autor espiritual é o querido orientador das minhas primeiras experiências mediúnicas, quando encarnado, orientando a minha juventude doutrinária na Casa Espírita: Espírito Carlos Torres Pastorino.